Por que a escravidão continua tão presente no Brasil? E o que a desigualdade tem a ver com isso?
Como podemos pensar e falar no futuro do trabalho quando milhões de pessoas ainda vivem em condições de trabalho analógas à escravidão e com desigualdades profundamente acentuadas?
Nós não podemos falar do futuro sem olhar para os problemas que enfrentamos atualmente, como, racismo estrutural, escravidão moderna, trabalho forçado e o trabalho por dívidas, que são oriundos de um passado com herança colonial escravocata.
No dia 13 de maio de 1888, a Lei Áurea determinou a abolição da escravatura no Brasil,
mas isso não significa muita coisa. Uma vez que a lei libertou escravizados, mas não ofereceu nenhuma política de proteção aos negros e negras para que pudessem sobreviver com dignidade, tendo sido libertados e jogados nas ruas apenas com a roupa do corpo. A liberdade determinada em 13 de maio de 1888 é, na realidade, uma utopia até os dias de hoje.
Sem saber o que fazer, sem emprego, moradia e alimentos e enfrentando a hostilização da elite branca, alguns dos homens tiveram que recorrer a furtos para que houvesse uma possibilidade de sobreviver, enquanto as mulheres prestavam serviços domésticos para as senhoras brancas. Isso contribuiu com a perpetuação do racismo e reflete nos números absurdos de desigualdade e condições de desumanidade que vemos até os dias de hoje - sem acesso ao básico, a população precisou buscar moradia nas periferias, trabalho em estradas de ferro ou permanecer morando com seus antigos senhores em situação semelhante à que haviam, teoricamente, sido libertos.
A falta de acesso a empregos, à educação e a  remuneração digna, impediu que houvesse um crescimento igualitário junto a outros grupos de pessoas que foram contemplados com terras, trabalho e crédito. E sem medidas eficazes de reparação dos anos de escravidão, a população negra, que representa 56,10% dos brasileiros, continua sofrendo com disparidade social e econômica.
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, com níveis extremos entre ricos e pobres. A desigualdade que enfrentamos no país está na contramão do que chamamos de sociedade democrática. Metade da população é representada por pessoas negras, e ainda assim, são a maioria dos desempregados - segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego entre os negros é 71% maior que entre a população branca. Além disso, também possuem menos acesso à educação, saúde, infraestrutura e ao trabalho digno
A população negra tem menos oportunidades que a população branca. Isso é estrutural, resultado de um processo de construção de cidadania inacabado e da herança da escravidão colonial. No mercado de trabalho, negros e negras têm salários mais baixos que os da população não negra, ocupam os postos de trabalho mais precarizados e não conseguem ocupar determinados cargos. Um estudo realizado pela CUT e pelo Dieese mostra que, no campo da educação, apenas 34% dos estudantes universitários se declaram pretos ou pardos. 
No âmbito da saúde, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 1995 a 2005, ao longo de toda a vida, a população negra é a que mais sofre com o mau atendimento do sistema de saúde e termina por viver menos. Bebês negros têm menos chances de sobrevivência quando comparados aos bebês brancos. As crianças e adolescentes têm taxas mais altas de repetência escolar, o que os leva, muitas vezes, a desistir dos estudos. Além disso, os jovens negros morrem de forma violenta em maior número que jovens brancos.
A lógica da escravidão permanece viva no Brasil. Em 2022, 500 pessoas foram resgatadas em condição análoga à escravidão pela Auditoria Fiscal do Trabalho. Do total, 84% se autodeclararam pretas ou pardas. 65% das mulheres que trabalham como empregadas domésticas no Brasil são negras, segundo o Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas (DIEESE).
A desigualdade étnico-racial é resultado de uma naturalização da desigualdade, uma herança da escravidão sentida até os dias de hoje, em que a sociedade discriminatória classifica seres humanos em diferentes categorias. Sem a desnaturalização da desigualdade e sem pautar classe e raça, não podemos falar e nem pensar no futuro do trabalho. Não de forma democrática.





créditos da foto de capa: Cícero R. C. Omena.
créditos da imagem de capa: Alexander Shenkin.
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