O trabalho degradante no campo é real e é grave. Precisamos garantir trabalho decente para todas as pessoas. 

Depois da assinatura da Lei Áurea, em 1888, que aboliu escravidão formal no Brasil, as pessoas que foram libertas não tinha dinheiro para se manter, não tinham para onde ir, não tinham esperanças e não existiam políticas públicas de reinserção. Dessa forma, o trabalho análogo à escravidão continuou existindo e parmanece até os dias de hoje, sobretudo no campo - uma herança de séculos de escravidão. 

Aumento de resgates na zona rural
De janeiro a março de 2023, batemos um recorde com o maior número de trabalhadores resgatados em um primeiro trimestre em 15 anos, de acordo com o Ministério do Trabalho. O ano começou com diversas notícias de trabalho semelhante à escravidão na agricultura: na colheita do arroz, cana-de-açúcar e até na uva, o que, até então, não era comum. De janeiro a 22 de março deste ano, 837 pessoas foram resgatadas dessa situação em zonas rurais, 91% do total das vítimas do período -  207 foram homens foram resgatados na colheita da uva, e mais de 200 homens foram resgatados em uma lavoura de cana-de-açúcar.

O Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2005, estimava em 25 mil o número de trabalhadores mantidos em condições análogas à de escravos no país. Desses, 80% atuavam na agricultura e 17%, na pecuária. Se compararmos os dados do relatório de 2005 e os dados do primeiro trimestre de 2023, notamos que mais pessoas estão sendo submetidas ao trabalho degradante quando deveríamos fomentar ações, iniciativas e políticas que lutem para oferecer trabalho digno aos trabalhadores do campo. 

Parte do resultado que vemos dos resgates mais recentes se dá pelo fato de que os próprios trabalhadores têm denunciado a situação que enfrentam, no entanto, infelizmente, o número de fiscalizações caiu, uma vez que de 2016 a 2022, o número de auditores fiscais do trabalho em atividade caiu 21%.

A terceirização do trabalho
A Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar) afirma que a reforma trabalhista de 2017 precarizou muito o trabalho rural. Agora, é permitido que haja a contratação terceirizada de trabalhadores, no caso de uma plantação, sendo as atividades de plantio e colheita. Antes, as fazendas eram obrigadas a contratar trabalhadores de forma direta e com uma relação de maior responsabilidade. Agora, o trabalho rural foi precarizado e mais trabalhadores em situação degradante são encontrados. Sem fiscalização adequada, a situação é ainda pior. 

A problemática em minimizar as condições de trabalho análogas à escravidão
O trabalho rural é conhecido por ser um trabalho árduo, que demanda esforço físico a todo momento. As atividades são duras e demandam muito esforço dos trabalhadores.Isso não significa, de forma alguma, que as condições de trabalho possam ser degradantes e os empregadores têm a obrigação de garantir um trabalho digno e decente. 

A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) afirma que cabe a autoridades, entidades, empresas e sociedade “manter uma rígida vigilância para denunciar e desbaratar grupos criminosos que mantêm essa degradante ofensa ao ser humano, aproveitando-se das carências e ingenuidade de pessoas humildes que necessitam de um trabalho para sobreviver.”

Recentemente, tem surgido um movimento que contribui para a normalização desse cenário. Isso é feito através do uso de expressões que podem soar como um ato de minimizar o trabalho no setor. Compreender que isso está acontecendo é uma das ferramentas que temos para combater o trabalho degradante.  

• Jornadas exaustivas, que é quando o trabalhador sofre completo esgotamento devido à intensidade da exploração, colocando em risco sua saúde e vida tem sido chamado de “trabalho braçal”.

• Condições degradantes, sendo um trabalho que nega a dignidade humana, e equipamentos de segurança colocando em risco a saúde e a vida do trabalhador tem sido tratado como “exposição ao sol e aos desafios do trabalho no campo”.

• Trabalho forçado, que envolve cerceamento do direito de ir, servidão por dívida, que se trata de um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas e não poder sair do local de trabalho após o expediente por ter tido documentos sob posse dos patrões sido tratado como “plantão”. 

• Alojamento insalubre, falta de acesso à água potável, acesso somente a alimentos podres, violência e coação física e moral tem sido retratado como “realidade rústica”.

Como mudar esse cenário e oferecer trabalho digno para os trabalhadores?
A fiscalização não tem sido suficiente e as leis não estão sendo cumpridas da maneira correta. Isso acarreta no aumento de pessoas em situação análoga à escravidão. Não dá para pensar que as pessoas podem abandonar o trabalho que fazem, seja porque não têm para onde ir, seja porque essa é a única fonte de renda e de sobrevivência. É preciso que os empregadores cumpram as leis, que são obrigatórias, assumam os compromissos e responsabilidades trabalhistas e garantam o trabalho decente em toda a cadeia de produção. 

A sociedade também exerce um importante papel no combate ao trabalho degradante que acontece na zona rural. Conhecer o histórico das empresas que consome, avaliar os posicionamentos a respeito do tema, pesquisar na lista suja e pressionar os órgãos competentes para que as leis sejam cumpridas são maneiras de contribuir para que os trabalhadores do campo tenham um trabalho decente e digno.

Como denunciar o trabalho análogo ao escravo?
Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma sigilosa. A denúncia pode ser feita por ligação telefônica pelo Disque 100, pela internet pelo Sistema Ipê (https://ipe.sit.trabalho.gov.br/#!/) ou presencialmente em alguma unidade do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Defensoria Pública (Estadual ou Federal), das Superintendências Regionais do Trabalho ou junto a alguma autoridade policial.
créditos da imagem de capa: Alexander Shenkin.
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