Como promover o trabalho digno no setor cafeeiro?
O Brasil é o maior exportador de café no mercado mundial e ocupa a segunda posição entre os países consumidores da bebida. Além disso, o país responde por um terço da produção mundial do café - posto que detém há mais de 150 anos.
De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a produção do café, no Brasil, ocupa uma área de 2 milhões de hectares com cerca de 300 mil produtores, predominando mini e pequenos, em aproximadamente 1.900 municípios, distribuídos nos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Rondônia, Paraná, Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso, Amazonas e Pará.
A cafeicultura brasileira é uma das mais desafiadoras do mundo em relação às questões sociais e ambientais, havendo uma preocupação em garantir a produção de um café sustentável que siga uma base rígida em legislações trabalhistas e ambientais - essas leis são a respeito da biodiversidade e dos trabalhadores envolvidos na cafeicultura, com rigorosa restrição a qualquer tipo de trabalho análogo à escravidão ou infantil.
No entanto, apesar de ser referência mundial, o setor é cercado por irregularidades trabalhistas. A produção de café no Brasil, nos últimos anos, foi alvo de diversos relatórios e denúncias sobre as condições das pessoas trabalhadoras assalariadas rurais. Dentre as infrações encontradas estão informalidade, o não pagamento de benefícios obrigatórios em lei, desrespeito às normas para o uso de agrotóxicos, não fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e ofertas de moradias precárias.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos configuram o trabalho em condições análogas à escravidão: trabalho forçado, servidão por dívidas, jornadas exaustivas e condições degradantes. O flagrante de qualquer um dos quatro elementos é suficiente para configurar o crime, passível de multa e prisão de dois a oito anos.
O trabalho escravo acomete principalmente migrantes que atuam na época de colheita, além de ter uma porcentagem pequena de formalização de trabalhadores safristas - segundo dados de 2017, apenas 16% dos trabalhadores de fazendas de café possuíam contratos menos de 6 meses, que coincide com o período da colheita no setor. Estimativas de 2014, indicavam que 6 a cada 10 trabalhadores do café atuavam na informalidade.
Segundo um levantamento feito pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, entre 1995 e 2020, foram resgatadas 2.808 pessoas em condição de trabalho escravo contemporâneo nas lavouras de café em todo o país. O estado com maior número de resgates foi Minas Gerais - em 2018, das 210 pessoas resgatadas, 109 eram de Minas. Em 2019, das 106 de todo o Brasil, 105 estavam no estado mineiro. Em 2020, 140 pessoas foram resgatadas no setor nesse mesmo estado.
Com o intuito de trazer destaque para essas problemáticas do setor cafeeiro, o InPACTO tem se dedicado a mostrar, através de ações, que é possível garantir o trabalho digno para todas as cadeias e promover o trabalho decente, atuando na prevenção e no combate ao trabalho escravo.
“A ONU endossou um conjunto detalhado de responsabilidades aplicáveis a todas as empresas, chamadas de Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGP, na sigla em inglês). Nesses princípios, os estados são lembrados do seu dever de proteger as pessoas contra abusos em relação aos direitos humanos – incluindo aqueles cometidos por empresas e empreendimentos empresariais. Já para as empresas, se colocou a responsabilidade de respeitar os direitos humanos em suas operações diretas e indiretas, e uma série de dispositivos são propostos para isso. Os Princípios, hoje, são amplamente referenciados em padrões de certificações, auditorias, salvaguardas e critérios socioambientais de instituições multilaterais, pactos e iniciativas voltados para as empresas, políticas públicas e legislações
nacionais e regionais." (Mancha de Café - Informe da Oxfam Brasil/Julho de 2021).
Em 2008, o InPACTO lançou o Pacto Setorial para Sustentabilidade Social do Café, com a missão de construir uma iniciativa que promova ações colaborativas entre todos os setores produtivos para erradicar o trabalho escravo e promover o trabalho decente na cadeia produtiva do café. A estratégia do Pacto Setorial do Café é resultado do Projeto Mesa de Café Brasil, uma iniciativa do InPACTO e da Catholic Relief Services (CRS), e que conta com a colaboração de importantes organizações como o Conselho dos Exportadores de Café (Cecafé), a Plataforma Global do Café (GCP), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Grupo de Trabalho Café (GT Café), formado por cerca de 15 membros que têm o papel de colaborar na definição das melhores estratégias para fomentar o diálogo entre os diferentes atores envolvidos no setor.
Para 2023, o Grupo de Trabalho tem o objetivo de construir uma nova estratégia, o Pacto Setorial pelo Trabalho Digno no Café. Além disso, o InPACTO, com Global Coffee Platform (GCP) e o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), contam com a "Iniciativa Coletiva de Bem-estar Social" que vai lançar o Índice de Vulnerabilidade InPACTO para o setor (IVI-Café), ferramenta que além da identificação de vulnerabilidades sociais, vai atuar na criação de planos de ação a partir de informações específicas sobre os municípios produtores.
Outras ações são importantes para combater o trabalho escravo no setor cafeeiro, como o Currículo de Sustentabilidade do Café (CSC), desenvolvido pela GCP, que apresenta diretrizes para a produção sustentável de café, e a “lista suja”, que é um cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo. Usar a “lista suja” para monitorar fornecedores é reconhecido nacional e internacionalmente, sendo uma das melhores práticas disponíveis enfrentar a escravidão em cadeias produtivas.
Saber as problemáticas e as estratégias do setor é fundamental para garantir o respeito aos direitos humanos e ao trabalho decente para todas as pessoas envolvidas na cadeia produtiva do café. Esse é o caminho para a promoção do trabalho digno e o fim da desigualdade extrema em que vivemos.
FONTES:
Estudo “A produção de café no Brasil”, realizado em 2019 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Estudo “A produção de café no Brasil”, realizado em 2019 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Relatório “Mancha de Café”, realizado em 2021 pela Oxfam: https://www.oxfam.org.br/justica-rural-e-desenvolvimento/por-tras-do-preco/mancha-de-cafe/
Estudo “Monitor - Café certificado, trabalhador sem direitos 2” , realizado pela Repórter Brasil: https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2021/06/Monitor-Caf%C3%A9-2021-PT-final.pdf